quinta-feira, 29 de outubro de 2015

SILÊNCIO





Silêncio

Porque só no silêncio cabem todas as lágrimas

-as minhas e as tuas-

E só no silêncio as almas ficam nuas

Oferecendo-se ao sol abrasador

Ou ao frio cortante das ruas

Passeando de mãos dadas

Como se fossem uma

- em vez de duas…

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

DEZ CENTÍMETROS


E aqui estamos. Eu e dez centímetros.

A certeza de que são realmente dez centímetros não a tenho. A certeza de sou realmente eu tão pouco. A noção da dimensão que dez centímetros podem assumir é quase tudo o que tenho. A noção da minha dimensão está reduzida a 10 centímetros. Não sei se me aproximam, se me separam. E se sim, não sei de quê.

Oca, assim devo estar. Até porque dentro de mim ressoam coisas, sons, toques, imagens, movem-se livre e freneticamente e por mais que tente não as compreendo. Não as sinto, não as vejo, não as oiço. Só as sei. E ao efeito que causam. Mais delas do que de mim, sei. Mas não lhes conheço a distância nem a linha temporal, não sei se são restos do que já vivi ou urgências do futuro. Não são consciências, são presenças.

Não as conheço nem reconheço.

Podia conhecê-las de novo, caso sejam memórias perdidas, mas falto-me. Porque estou ocupada e não me sobro nem um bocadinho em branco. Preenchida, como um caderno muito escrito e rabiscado, muito gasto e com páginas arrancadas onde se quisermos apontar um número de telefone temos que escrever por cima de outra coisa qualquer. E carregar na caneta para que se note. Não tenho linhas, não tenho folhas, não há caneta que me desenhe o futuro. Ou mão que a segure e risque com força. Furada que fique a página...

Dez centímetros e eu, imensos e no entanto apertados, desconfortáveis. Ambos.

Menos que um passo, menos que um palmo e ei-los: 10 centímetros ostensivamente no meu caminho. E eu. Se ao menos o tivesse, caminho… E eu na contemplação do espaço percebendo o quanto sobro. Não o quanto me sobro, nada se me oferece porque não tenho onde registar o que quer que seja. O quanto estou a mais, arrastando-me ao longo de tudo e deixando uma mancha amarelecida indistinta… O quanto estou pouco, nos sítios onde nem sequer fica marca da minha passagem, esbatida ou desencantada que seja.

Dez. Centímetros. Dez vezes um centímetro, cem vezes um milímetro. E eu.

Milimétrica aqui, aturdida de mim, do turbilhão que sei, perdida do conteúdo das folhas gastas, pouca de mim no caminho dos outros e… sem ti. A dez centímetros …

- Sim, está fresco aqui…
- …
 - Nada, estava só a sentir a brisa e a ver os carros a passar lá em baixo.
 - …
 - Tens a mão quente… não esperava que viesses. Pensei que não…
- …
 - Sim, vamos. Vou só fechar a janela…

Porque há sempre mais dez centímetros para escrever, mesmo que não seja numa página em branco…

 

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

SER-TE


Sabes?

Sabes das chaves do carro, das chaves de casa? Sabes dos caminhos e dos horários? Sabes dos outros?

E de ti? Sabes-te? Sabes onde guardas os sorrisos e para onde atiras as lágrimas que não queres usar? Sabes se não trazes os sorrisos apertados e se não estás na iminência de te afogares num mar salgado que nem conheces?

Para além do espelho pendurado na parede e dos espelhos nos olhares alheios, quem és, o que vês se te olhares? Se te atreveres? Se entre os tempos para tudo encontrares tempo e se nesse tempo fechares os olhos e os punhos, te cobrires de solidão e desceres a um nível superior de realidade, a superior realidade do fundo de ti… encontras-te?

Se os telemóveis e os tablets e os computadores e a televisão e toda a sacrossanta virtualidade que te prende o cérebro por bits e bytes forem erradicados e te vires no teu silêncio, nu de «gostos» e de «likes» e de visualizações… quem és? Ou – mais importante – quem podes ser?

No carro, em casa, depois dos caminhos percorridos, dos horários cumpridos, de todos os outros e à revelia da tecnologia, no tempo que é só tempo que conseguiste descobrir: vês-te? Sentes que existes e que vives para além da aparência de vida? Tens calos dos caminhos, tens feridas na alma, tens buracos negros no coração, tens lágrimas secas sob o olhar e sorrisos no rosto que teimam em não o deixar? E uma malha intrincada de contradições e medos e angústias e gargalhadas e gritos e sussurros que não entendes: tens?

Quanto de ti são pinceladas que vistas de longe são incompreensíveis mas que daí – de dentro de ti nesse cantinho de onde te olhas – são verdade e sentido e lógica?

Anda… Sai de mim, vai-te! Tens tanto para ser…

 

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

SUPERLATIVO RELATIVO DE NÓS


Superlativo relativo em mim. Porque não há absolutos e porque te sou absolutamente, de forma relativamente possível.
 
Porque somos livres e soltos e uma espécie de prostitutos quando nos negamos. Quando nos comprometemos com outros que não um com o outro. Quando existimos para além de nós porque sim, porque é assim. Quando tentas ser para além de mim.
 
Porque na verdade nada sou para além de ti. E ficamos aquém. Um passo atrás de tudo, no meio de um tanto aparente.
 
Porque nada existe para além de nós em comunhão. Tudo o mais é ilusão e a prova provada de que a realidade é multidimensional. De que em paralelo o tempo corre a ritmos diferentes. Eternidades longe de nós, frações de segundo quando existimos no mesmo espaço e no mesmo momento. O resto do tempo existimos como na matemática, como um número indivisível a não ser por si próprio.

Superlativo relativo de ti.

Absolutos em nós, atados em nó. 
 
Porque relativa é a pequenez de sentir apenas na proximidade, porque nunca estás absolutamente longe.
 
Só relativamente distante.